Maio, vírgula, 2024 (II)
Por força das memórias que nos foram deixadas pelos intervenientes, é vagamente público e conhecido o diálogo que, em pleno vinte e cinco de Abril, o Prof. Marcello Caetano teve com o doutor Pedro Feytor Pinto, à data director dos serviços de informações do regime. Já cercado pelas tropas do Salgueiro Maia e com a carta já escrita para o General Spínola, quando Marcello Caetano recebe Feytor Pinto no Quartel do Carmo, deu-lhe um abraço e, tanto quanto se sabe, terá lamentado o ponto a que se tinha chegado. Feytor Pinto, no entanto, que tinha passado uma década a tentar mudar o regime por dentro, consciente da impossibilidade da sua eternidade, não terá amolecido pela compunção do ditador e ter-lhe-á respondido que houve um tempo, e que tantas vezes dele conversaram, em que teria sido possível que as coisas não chegassem àquele ponto.
Talvez a minha vida tenha sido sempre uma espécie de Estado Novo, onde qualquer computador ou historiador podia ter previsto que eu ia chegar a este ponto, em que ia cair sem resistência, sem balas, sem sangue. Afinal de contas, também eu já estou derrotado e em cacos há muito tempo.