Metodologia Das Ciências Da Natureza — Breves Exemplo
Semear do milho. 1. Lavrar o campo. 2. Fresar o campo. 3. Dependendo do tamanho dos vossos campos, das vossas capacidades económicas ou do século em que a vossa zona ainda vive, podem prosseguir os dois pontos anteriores chamando um tractorista que tenha os utensílios necessários ou fazê-lo à mão com utensílios rudimentares. 4. Traçar as tornas, i.e., dividir as zonas do campo entre aquelas onde se há de semear milho, batatas, feijões, cebolo, tomateiros, cenouras, entre outros. 5. Ter um semeador de ferro. 6. Aguardar pelas luas e pela meteorologia certa. 7. Arranjar dois trabalhadores. 8. Arranjar as sementes do milho. 9. Começar a semear o milho. 10. Um dos trabalhadores empurra o semeador e o outro puxa-o. 11. Manter a disciplina e atentar ao estado do semeador. 12. Caso o semeador deixe de verter o milho à terra, voltar atrás e recomeçar. 13. Caso o trabalhador que puxa o semeador comece a ficar cansado depois de uma hora de trabalho e desate a fazer curvas involuntárias em vez de manter a disciplina da linha recta (sim, sou eu), o trabalhador que empurra o semeador deve avisá-lo e compor os estragos imediatamente na próxima linha de semeação. 14. Dependendo da dimensão da vossa plantação, passada hora e meia o trabalho deve estar concluído. 15. Limpar o semeador e guardá-lo para o próximo ano.
Semear da batata. Ipisis verbis dos seis primeiros pontos da metodologia anterior. 7. Quantos mais trabalhadores, melhor. 8. Ter os utensílios necessários — cestos e sacholas. 9. Abrir os regos (uma pequena vala com não mais que vinte ou trinta centímetros). 9.1. Retirar as pedras que forem encontrando ao longo do ponto anterior. 10. Adubar a terra olho depois de ter o ponto anterior cumprido num conjunto considerável de regos (não vale a pena tentarem ter o olho da vossa avó que vão sempre pecar por excesso ou por defeito). 11. Preencher as valas de estrume de gado bovino. 12. Colocar terra por cima do estrume para que o mesmo não queime a batata antes dela germinar. 13. Colocar as sementes batateiras com o devido espaçamento quando os pontos anteriores estiverem concluídos. 13.1. As sementes batateiras (os ‘olhos de batatas’ do ano anterior) devem ser colocadas todas para o mesmo. 14. Fechar as valas (‘levantar a manta’ ou ‘cobrir a batata’ ou ‘estonar a terra’). 15. Chatear a cabeça às vossas mães e avós para almoçarem bem depois do trabalho (para camaradas mais inflamáveis, não é machismo; é só que os homens estão no estrangeiro a dar no duro na construção civil), convencendo-as de que não é uma boa ideia almoçar uma sandes com uma febra lá dentro para à tarde ir semear o cebolo (com o qual não vos vou maçar).
Tira da batata à moda antiga. 1. Aguardar pela melhor altura para o efectuar o escopo referido, avaliando o desenvolvimento orgânico das batatas através da meteorologia, luas, temperatura da terra, quantidade de água levada até às batatas durante a colheita em questão, cor e flor da rama da batata (no Norte comumente denominada por “troeira”). 2. Quando a vossa mãe ou avó vos disser, há que pegar numa foicinha ou numa foice de cabo comprido (nunca numa máquina de cortar erva) e “cortar as troeiras”, i.e., cortar o cimo da rama (só o cimo e nunca a troeira completa; caso contrário não era cortar a rama, mas antes arrancá-la). 2.1. O ponto anterior deve ser concluído durante a tarde de véspera (nos últimos cinco anos, com o aumento da temperatura, este ponto tem vindo a ser concluído pouco mais de meia-hora antes), dependendo da temperatura da terra se é feito ao início ou ao fim da mesma. 3. Reunir trabalhadores e utensílios. 4. Começar a lavoura às cinco e meia da manhã para não se andar a tirar a batata debaixo de sol intenso (faz mal à cabeça e à batata); ou, então, dividir o trabalho entre a manhãzinha e o final do dia, a partir das seis e meia da tarde. 5. Ter memória de como foram plantadas as batatas para saber de que lado começar a tira. 6. Evitar manobrar a sachola de cima para baixo para não partir as batatas. 7. Manobrar a sachola de forma a puxar a terra de baixo para cima. 8. Sacudir a planta batateira para que todas as batatas vertam para o chão. 9. Assegurar que há sempre trabalhador a distribuir cestos e a apanhar as batatas ratadas e partidas que vão sendo deixadas para trás; ibidem para a separação das batatas graúdas e pequenas. 10. Assegurar que há sempre um trabalhador pronto a verter as batatas dos cestos para os sacos para que seja mais fácil acartá-las. 11. Assegurar que há sempre um trabalhador com uma foice a reunir a rama que vai sendo deixada para trás. 12. Acartar as batatas para o loca designado. 13. Ipsis verbis do último ponto da metodologia anterior. 14. A partir daí ainda há muito trabalho chato, mas já é no armazém.
Tira da batata em grandes quintas rurais. Ipisis verbis dos primeiros cincos pontos da metodologia anterior. 6. Arranjar um tractorista com os utensílios necessários. 7. Distribuir cestos ao longo de todo o campo. 8. Apanhar as batatas à medida que o tractor vai abrindo as valas. 8. Sacudir a planta batateira para que todas as batatas vertam para o chão. 9. Colocar as batatas em cestos. 10. Colocar os cestos no tractor e levá-las para o local designado. 11. Aproveitar a merenda oferecida pelo capataz do terreno onde se acabou de labutar.
Desfolha do milho. É milho rei, milho vermelho, mas não se faz por gosto. Há dois métodos. O de desfolhar directamente no campo, o que é chato para a pele e tem de se andar vestido com mangas compridas. Ou, então, cortar a cana toda e depois desfolhar o milho como quem debulha feijões.
Matança do porco. 1. Criá-lo durante três, quatro ou seis meses, dependendo da vontade de cada um. 2. Esperar por Dezembro ou Janeiro. 3. Entrar na corte com uma corda e puxá-lo até cá fora. 4. Colocá-lo no banco de madeira suportado por dois tijolos de pedra. 5. Amarrar uma corda ao banco e passá-la pelo lombo do animal. 6. Arranjar quatro trabalhadores para segurar nas patas. 6.1. Colaboradores são as vossas tias. 7. Arranjar um matador com todos os utensílios necessários. 8. Deitar mão à faca grande dos utensílios e espetá-la no centro do pescoço. 9. Segurar o animal sem lhe partir nada nos seus últimos suspiros. 10. Colher o sangue para uma bacia. 10.1. Comentar com os camaradas de labuta o comportamento do animal — o quanto gritou e o quanto foi agressivo, fazendo prognósticos do estado e textura da carne, ora mais tenra, ora mais dura. 11. Pegar num maçarico e queimar o animal várias vezes. 12. Raspar o queimado com facas grossas para retirar todo o pêlo e sujidade. 13. Pegar em fardos de palha a arder nas pontas e chamuscar o animal durante quinze minutos. 14. Espalhar água e sal pelo animal e lavá-lo com pedras até ficar limpinho. 15. Cortar-lhe as orelhas e a cauda e colocar sal nas zonas cortadas. 16. Esfregar o sal e deitar água. 17. Cortar-lhe o fundo das patas para poder pendurar o animal num ferro. 18. Abrir o animal ao meio e retirar tripas, o coração e o pulmão. 19. Deixar o animal num local fresco de pernas para o ar num local fresco durante vinte e quatro horas. 19.1 Ao lado do descrito no ponto anterior, deixar também a escorrer num ferro à parte a colada do animal. 20. Lavar as tripas ao ar livre com muito cuidado para nenhuma rebentar. 21. Cozer o sangue colhido para uma bacia. 22. Merendar, se assim for do agrado dos trabalhadores, o efectuado no ponto anterior. 23. Passadas vinte e quatro horas, desmanchar o animal. 23. Salgar os presuntos e os lombos. 24. Seguir a tradição e jantar as primeiras febras do animal acabado de desmanchar para ‘testar o animal’. 25. Pronto a preparar para cozinhar. Adenda. Só é desagradável até vos ser servido ao lado de um arroz com batata assada num restaurante avaliado com cinco estrelas no TripAdvisor.
Matança do coelho. 1. Criá-lo. 2. Arranjar duas pessoas — uma para o matar, a outra para lhe segurar as patas: uma mão segura as patas da frente, a outra mão segura as patas de trás. 3. Fazer um corte profundo no pescoço do animal de modo a evitar o sofrimento. 3.1. Em caso de resistência, aprofundar o corte para o sofrimento terminar o mais rápido possível. 4. Deixar escorrer o sangue e tomar certeza de que o animal está morto para que não aconteçam inconvenientes no passo seguinte. 5. Depois de morto, fazer um corte no pêlo do animal no centro do lombo. 6. Uma das pessoas puxa a pele do animal para um lado, a outra puxa a pele do animal para o outro lado. 7. Fazer todo a acabamento do ponto anterior cujos detalhes pouparei o leitor (v., p. ex., o tirar dos olhos). 8. Abrir o animal ao meio. 9. Retirar tripas, coração, pulmões, rins, etc., etc. 10. Retirar as partes da carne que fazem mal ao ser humano aquando da refeição. 11. Lavar o coelho. 12. Pronto a preparar para cozinhar.
Matança do galo e da galinha. 1. Criá-lo. 2. Arranjar o utensílio necessário à prossecução da matança das aves. 3. Colocar o dito utensílio — um cone de metal aberto no fundo — amarrado a um esteio ou um ferro. 4. Deitar a mão ao galo, virá-lo de cabeça para baixo e colocá-lo utensílio supra-referido. 5. Arranjar uma faca suficientemente grande para não causar sofrimento prolongado ao animal. 6. Cortar a cabeça ao animal e esperar uns minutos antes de o retirar do cone de metal. 6.1 Em caso de não cumprimento do ponto anterior, é possível que o galo decida começar a correr pelo campo durante uns segundos apesar de já não ter cabeça. 7. Ferver uma panela de água. 8. Despejar a água fervida por cima da ave. 9. Depenar o galo. 10. Desmanchar a galo (poupo ao leitor os pormenores desta). 11. Pronto a preparar para cozinhar. 12. Seguir a tradição e fazer um arroz de cabidela com esse galo antes de matar o próximo.



